UM FALSO DILEMA PARA 2010: CRESCIMENTO ECONÔMICO OU CONTROLE DA INFLAÇAÕ? Prof. Maxwel Ribeiro Moreira (1)

12-08-2010 20:43

UM FALSO DILEMA PARA 2010:

CRESCIMENTO ECONÔMICO OU CONTROLE DA INFLAÇAÕ?

 

Prof. Maxwel Ribeiro Moreira (1)

 

Lançado oficialmente em 1º de julho de 1994 o Plano Real sofreu vários abalos em função de crises externas. Em agosto de 1998 teve início a crise da Rússia que foi mais devastadora que a do México (1995) e a da Ásia (1997). Seus efeitos foram sentidos não só pelos países emergentes, mas também pelos países mais ricos, como EUA, Alemanha, Suíça e Canadá, dentre muitos outros. No Brasil os efeitos dessa crise chegaram rapidamente, porque os investidores internacionais, para compensar suas perdas em outros mercados devido à crise da Rússia, passaram a vender os seus ativos, como títulos da dívida pública e ações, realizando seus ganhos no Brasil e enviando dólares para o exterior, para cobrir as perdas que tinham tido em outros mercados.

As reservas cambiais, que em julho de 1998 eram de US$ 70,2 milhões, caíram para US$ 67,3 milhões em agosto e para US$ 45,8 milhões em setembro.

Como a fuga de capitais externos continuou, em janeiro de 1999, o governo deixou o câmbio flutuar, abandonando o regime de âncora cambial. Isso significa dizer que o governo deixou de usar o câmbio como um indicador de estabilidade da economia brasileira. Entrou em seu lugar o sistema de metas para a inflação (target inflation).

O Decreto nº 3.088 de 21 de junho de 1999, assinado pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso (FHC) e pelo Ministro da Fazenda Pedro Malan, foi publicado no DOU no dia 23 de junho de 1999. Esse decreto estabeleceu como diretriz para a fixação do regime de política monetária a sistemática de metas para a inflação.

O Ministro da Fazenda propôs e o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado pelo IBGE, como o indicador que seria usado para efeito do sistema de metas para a inflação.

Como funciona esse sistema?

O CMN, por proposta do Ministério da Fazenda, fixa a meta de inflação e os seus respectivos intervalos de tolerância para cada ano, considerando que a meta foi cumprida quando a variação acumulada da inflação (medida pelo IPCA), relativa ao período de janeiro a dezembro de cada ano calendário, situa-se na faixa do seu respectivo intervalo de tolerância.

Em caso de a meta não ser cumprida o Presidente do Banco Central do Brasil tem que divulgar publicamente as razões do descumprimento, por meio de carta aberta ao Ministro da Fazenda, contendo: descrição detalhada das causas do descumprimento; providência para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos; e o prazo no qual se espera que as providências produzam efeito.

O Banco Central ainda tem a incumbência de divulgar, até o último dia de cada trimestre civil, o Relatório de Inflação, abordando o desempenho do regime de metas para a inflação, os resultados das decisões passadas de política monetária e a avaliação prospectiva da inflação.

Como o governo atua dentro desse sistema?

Supondo que para um determinado ano o governo tenha definido como meta o valor de 6% e como intervalo de tolerância ± 2,5%. Isso significa que ele espera que a inflação observada para aquele ano fique entre 3,5% (limite inferior) e 8,5% (limite superior). Se, por alguma razão, a inflação acumulada ao longo daquele ano tender para fora desse intervalo, por exemplo, acima do limite superior de 8,5%, o governo tomará medidas para que a inflação observada fique dentro do intervalo estabelecido. Dentre essas medidas poderá adotar, por exemplo, aumento da taxa básica de juros da economia, restrição ao crédito, corte dos gastos públicos, contingenciamento do orçamento público federal, aumento dos depósitos compulsórios bancários e/ou restrição da emissão monetária.

Essas medidas, que são inibidoras do consumo, tendem a provocar a diminuição do nível de atividade e do emprego, o que tende a inibir mais ainda o consumo. Assim, se cria um ambiente inóspito para novos aumentos de preços. Com isso espera-se que a inflação recue, situando-se no intervalo esperado. Mas o subproduto negativo dessas medidas, além de se manifestarem na queda da produção nacional, na queda do nível de emprego e na queda do consumo, também tendem a se manifestar na queda da arrecadação do governo e no aumento dos gastos públicos, das despesas com a dívida pública interna e da pobreza.

Com a Resolução nº 2.615, o Banco Central, em 30 de junho de 1999, estabeleceu as metas de 8%, 6% e 4%, com o intervalo de tolerância de ± 2,0%, para os anos de 1999, 2000 e 2001, respectivamente (Quadro 1).

A meta estabelecida para 1999 foi cumprida com a inflação do ano medida pelo IPCA, ficando em 8,94%, acima do valor central de 8%, mas abaixo do limite superior, portanto dentro do intervalo. A meta para o ano 2000 também foi cumprida porque a inflação ficou em 5,97%, muito próxima do valor central de 6%. Para 2001 a meta não foi cumprida, porque a inflação medida pelo IPCA ficou em 7,67%. O não-cumprimento da meta para inflação no ano de 2001 é explicado pelo somatório dos efeitos combinados da crise de energia, da crise da Argentina e do atentado terrorista do dia 11 de setembro.

 

 

Quadro 1:

Variação do PIB Real, Metas para a Inflação e IPCA

1999 - 2010

Em %

ANOS

Var. %

PIB Real

Metas Inflação

(%)

Intervalo

Variação

IPCA

1999

0,25

8,0 (± 2,0)

(6,0 a 10,0)

8,94

2000

4,31

6,0 (± 2,0)

(4,0 a 8,0)

5,97

2001

1,31

4,0 (± 2,0)

(2,0 a 6,0)

7,67

2002

2,66

3,5 (± 2,0)

(1,5 a 5,5)

12,53

2003

1,15

8,5 (± 2,5)

(6,0 a 11,0)

9,30

2004

5,71

5,5 (± 2,5)

(3,0 a 8,0)

7,60

2005

3,16

5,1 (± 2,5)

(2,6 a 7,6)

5,69

2006

3,96

4,5 (± 2,0)

(2,5 a 6,5)

3,14

2007

6,09

4,5 (± 2,0)

(2,5 a 6,5)

4,46

2008

5,14

4,5 (± 2,0)

(2,5 a 6,5)

5,90

2009

- 0,19

4,5 (± 2,0)

(2,5 a 6,5)

4,31

2010

5,5 a 6,5 (*)

4,5 (± 2,0)

(2,5 a 6,5)

4,0 a 5,0 (*)

Fontes: IBGE para o PIB e o IPCA.

(*) Previsões macroeconômicas para 2010 do IPEA em abril de 2010

 

Para o ano de 2002, a Resolução nº 2.744, de 28 de junho de 2000, do Banco Central, definiu a meta de 3,5%, com intervalo de tolerância de mais ou menos 2%. A inflação observada naquele ano foi de 12,53%, portanto bem acima da meta. As razões para o não-cumprimento dessa meta ficaram por conta dos efeitos do agravamento da crise argentina e dos efeitos das eleições presidenciais de 2002, que culminou com a eleição do candidato da oposição Luiz Inácio Lula da Silva (Lula).

Os dados do Quadro 1 permitem observar que no período de 1999 (quando foi criada) a 2002 (último ano do governo FHC que a criou), houve um baixo crescimento médio do PIB real (2,13%).

O novo governo (Lula) deu continuidade à política econômica do governo anterior (FHC), mantendo, por exemplo, o sistema de metas para a inflação e a política de juros. As metas estabelecidas para os anos seguintes (2003 a 2009) foram todas cumpridas e a taxa média de variação do PIB real nos anos do novo governo foi de 3,57% (Quadro 1).

No entanto, considerando que a inflação medida pelo IPCA (IBGE) para os seis primeiros meses do ano alcançou 3,09% (e 5,22% nos últimos 12 meses) e que esse é um ano eleitoral, dois questionamentos entraram na ordem do dia: (1) A meta estabelecida para 2010, último ano do segundo mandato do Governo Lula, será cumprida? (2) A busca do cumprimento dessa meta impedirá a retomada do crescimento econômico após os efeitos da crise financeira de 2008?

Para responder a esses questionamentos faz necessário retornar ao ano de 2007 quando teve início a crise financeira no setor imobiliário nos EUA e que por força da globalização logo contaminou a economia mundial.

No Brasil a crise não chegou nem tão rápido nem com tanto poder destruidor porque os bancos nacionais não possuíam papéis ligados às hipotecas de alto risco (subprime) que deflagraram a crise. Mas, pouco a pouco foi chegando, via queda da bolsa de valores, elevação do câmbio, redução das reservas cambiais, queda nas exportações e no nível de atividades. Os efeitos da crise externa interromperam a trajetória de crescimento econômico iniciada em 2006 e empurraram o país tecnicamente para a recessão, com as quedas no PIB no quarto semestre de 2009 e no primeiro semestre de 2010 (Quadro 2).

Em função desses impactos da crise externa na economia brasileira o governo passou a adotar medidas para defender o país a partir de setembro de 2008. Como quando a crise chegou o Brasil vivia um momento de expansão econômica e de consumo em alta que pressionava a inflação, a opção do governo poderia ter sido a de sacrificar o crescimento para controlar a inflação, seguindo uma opção conservadora já adotada em outros momentos de crise. Mas essa não foi a opção do governo que reagiu aos efeitos da crise com medidas visando aumentar a liquidez da economia, a oferta de crédito, os investimentos, a produção e o consumo.

Um ano após o início da crise econômico-financeira global já era possível dizer que o pior já tinha passado e que em algumas partes do mundo caminhava-se no sentido de alcançar níveis dos seus indicadores macroeconômicos próximos aos observados antes da crise. Países desenvolvidos como Alemanha, França e Japão já tinham saído da recessão em que se encontravam. Países emergentes como China, Índia e Brasil tinham retomado o crescimento, apoiados nos estímulos aos seus mercados internos.

 

Quadro 2:

Variação do PIB Real Trimestral

2007 - 2010

Em %

TRIMESTRES

2006

2007

2008

2009

2010

I

1,36

1,85

1,77

-0,91

2,7

II

- 0,02

1,21

1,17

1,38

 

III

1,99

1,21

1,41

1,71

 

IV

1,37

2,25

- 3,46

2,04

 

Fontes: IBGE – Sistema de Contas Nacionais Trimestral.

 

 

No Brasil as medidas adotadas pelo governo surtiram efeitos bastante satisfatórios, com forte aquecimento do setor industrial (principalmente o automobilístico, de eletrodomésticos e da construção civil), alta na bolsa de valores, elevação das reservas cambiais, queda do câmbio, elevação dos níveis de emprego e da atividade econômica. No segundo trimestre de 2009 o Brasil já tinha superado a condição de recessão técnica (Quadro 2) imposta pelos efeitos da crise, iniciando uma sequência de variações positivas do PIB real em todos os semestres subsequentes. Assim o Brasil chegou em 2010 em melhores condições do que estava antes da crise, apesar da elevação da inflação nos primeiros meses de 2010.

Por força desse comportamento da inflação o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) passou a aumentar a taxa básica de juros da economia (Celic) que desde julho de 2009 estava em 8,75%. Em abril a taxa foi para 9,5%, em julho para 10,25 e em julho para 10,75%. Essa atitude do Banco Central pode ser vista como um indicativo de que, apesar de ser um ano eleitoral, não deverão ser evitados esforços para que a meta de inflação para o ano de 2010 seja cumprida.

Com certeza essa política de juros altos contribuirá para diminuir o ritmo de crescimento do PIB da economia brasileiro. Não obstante, não é de se esperar que o dilema de crescimento econômico ou controle da inflação para 2010 esteja colocado.

Segundo as projeções do Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA), publicadas em abril, o PIB deverá crescer entre 5,5% e 6,5% e a inflação medida pelo IPCA deverá ficar entre 4,0% e 5,0%.

Se não houver nenhum fato novo e inusitado é possível esperar que o PIB real em 2010 cresça acima de 6,0%, o que o qualificaria como a maior taxa de crescimento anual do PIB na era da estabilidade de preços iniciada em 1994. É possível esperar também que a inflação medida pelo IPCA fique acima do centro da meta (4,5%), porém abaixo dos 6,5%, portanto no intervalo de tolerância e consequentemente dentro da meta. Assim o país teria um importante crescimento econômico e mais um ano consecutivo de cumprimento da meta de inflação.

 

(1) Economista pela UFRRJ, Mestre pelo CELADE-CEPAL-NAÇÕES UNIDAS, Doutor pela UFMG e professor do Departamento de Ciências Econômicas (DeCE-ICHS-UFRRJ) desde março de 1979. maxwelrm@ufrrj.br

 

Voltar